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Cinco anos depois da Reforma da Previdência: o que ainda precisa ser corrigido

23/04/25 às 13:00 por Sindjuf/SE
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O Sindjuf/SE publica a seguir artigo da colega servidora Patrícia Peres sobre pontos da reforma da Previdência que vem penalizando injustamente os servidores e cujo julgamento está sendo preterido pelo STF.

 

Patrícia Peres*

 

Já se passaram cinco anos desde que a Reforma da Previdência foi aprovada no Brasil, por meio da Emenda Constitucional nº 103, em 13 de novembro de 2019. A promessa era tornar o sistema previdenciário mais sustentável, ajustando as regras ao aumento da expectativa de vida da população e buscando equilíbrio entre os direitos dos servidores públicos e dos trabalhadores do setor privado.

 

Mas, apesar do tempo decorrido, nem tudo está funcionando como deveria. Algumas mudanças ferem diretamente a Constituição Federal — e o que é ainda mais grave: o Supremo Tribunal Federal (STF), guardião da nossa Carta Magna, até agora não concluiu o julgamento das 13 Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que questionam pontos da reforma.

 

Dois pontos estão ocasionando graves prejuízos financeiros aos servidores públicos e, infelizmente, até o término do julgamento estão sendo aplicados pelos regimes próprios de previdência. Vamos falar sobre eles.

 

1. A injusta tributação dos aposentados e pensionistas dos regimes próprios

Um dos pontos mais polêmicos está no artigo 149 da Emenda, que permitiu cobrar contribuição previdenciária de aposentados e pensionistas do setor público mesmo sobre valores que ultrapassem apenas o salário mínimo. Antes da reforma, essa cobrança só existia sobre valores que ultrapassassem o teto do RGPS / INSS (hoje em R$ 8.157,41). A regra nova, no entanto, autorizou que a contribuição fosse feita a partir de qualquer valor acima do salário mínimo — e exclusivamente para quem é do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS).

 

Ou seja: aposentados e pensionistas do setor privado (RGPS) continuam isentos, enquanto os do setor público passaram a pagar mais — e pagar sozinhos.

 

Como muitos estados e municípios foram obrigados a aprovar suas próprias reformas previdenciárias em até dois anos após a EC 103, muitos copiaram exatamente esse ponto. Resultado: essa cobrança vem sendo feita desde 2020 / 2021 por boa parte dos entes federativos estaduais e municipais, mesmo antes do STF finalizar o julgamento sobre a constitucionalidade dessa medida. No regime próprio federal, isto ainda é uma previsibilidade, em caso de “déficit”.

 

Hoje, em abril de 2025, o julgamento da ADI 6254, que trata deste tributo / confisco está parado no STF com placar de 7 votos a 3 pela inconstitucionalidade dessa cobrança. O ministro Gilmar Mendes, que pediu vista em junho de 2024, devolveu o processo em outubro. Seu voto é o único que falta — mas mesmo que seja contrário, não muda o resultado: o placar seguirá 7 a 4 ou 8 a 3 a favor dos aposentados.

 

Ainda assim, o presidente do STF, Ministro Luís Roberto Barroso, não pautou a conclusão do julgamento. Por que será? Desde a devolução do voto do Ministro Gilmar Mendes à presidência do STF, o que se viu foi uma romaria de governadores e prefeitos ao Supremo, pressionando os ministros, que já proferiram os 7 votos favoráveis, para reverterem seus votos. Eles alegam que, sem essa arrecadação, faltarão recursos para áreas como saúde, educação e segurança.

 

Mas vamos aos fatos: esses recursos sempre foram arrecadados com uma única finalidade — garantir a aposentadoria de quem contribuiu por 30, 35 anos. Se houve má gestão ou desvio de finalidade, a culpa não pode recair sobre quem já cumpriu sua parte. E agora, na fase da vida em que mais precisam de tranquilidade, aposentados e pensionistas enfrentam cortes agressivos em seus rendimentos. Já não basta ficarem anos sem reajuste — agora, ainda estão retirando o pouco que têm de forma arbitrária e inconstitucional.

 

2. A quebra de isonomia no cálculo das aposentadorias das mulheres do setor público

Outro erro grave da reforma diz respeito ao cálculo das aposentadorias das mulheres. Embora as regras de acesso (idade, tempo de contribuição e pontuação) sejam iguais tanto para as servidoras públicas quanto para as seguradas do INSS, os critérios de cálculo são diferentes — e desfavoráveis às mulheres do RPPS.

 

O artigo 26, §5º da EC 103/2019, garante às mulheres do RGPS que, ao contribuírem por 15 anos, terão direito a 60% da média de seus salários, e para cada ano a mais, ganham 2% adicionais. Assim, ao completarem 35 anos de contribuição, chegam a 100% da média. Já as servidoras públicas, mesmo com os mesmos 35 anos, recebem apenas 90% da média — pois o cálculo que se aplica a elas é o mesmo dos homens. Isso representa uma perda de 10% para mulheres do setor público em comparação com as do setor privado.

 

Esse erro também foi contestado pela ADI 6254, movida pela Associação Nacional dos Defensores Públicos. E, novamente, o julgamento está parado no STF desde o pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, apesar de seu voto já ter sido devolvido há meses. Mais uma vez, a definição depende apenas da decisão de pautar a ação.

 

Enquanto isso, as perdas acumulam-se ano após ano. Servidoras que se aposentaram pelas regras do artigo 4º ou 10º da reforma, ou pensões por morte femininas de servidoras que morreram antes de aposentar, ou aquelas que se aposentaram por incapacidade... todas estão sendo prejudicadas financeiramente há mais de cinco anos.

 

O mais chocante é que tudo começou com um erro material — um deslize técnico no texto legislativo — que jamais imaginamos que levaria tantos anos para ser corrigido.

 

O que está em jogo

A ADI 6254 não é só sobre números. É sobre justiça. É sobre respeitar quem contribuiu uma vida inteira esperando, no mínimo, isonomia e segurança jurídica. É sobre impedir que decisões políticas desfaçam votos técnicos de ministros comprometidos com a Constituição.

 

E é, sobretudo, sobre respeitar os aposentados, pensionistas e as mulheres servidoras deste país. Eles não são os culpados pelo desequilíbrio das contas públicas — e não podem ser tratados como vilões ou caixa de solução dos problemas estruturais.

 

A Constituição não pode ser negociada. Ela deve ser cumprida.

 

A luta continua.

 

 


[*] É servidora pública federal, palestrante, educadora e estrategista financeira e previdenciária.

 

 

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