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Os bastidores do STF e a prisão de Delcídio do Amaral
Era noite de terça quando um (a) ministro (a) do Supremo Tribunal Federal alertou: “vocês terão novidades [na Lava Jato] nesta semana!”.
Horas antes, este (a) mesmo (a) ministro (a) havia participado de uma reunião informal no gabinete do ministro Teori Zavascki.
Estavam lá todos os integrantes da 2ª Turma do STF: Celso de Mello, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e o anfitrião Teori Zavascki.
Diante do aviso de novos desdobramentos na Operação Lava Jato no Supremo, uma pergunta inevitável: algum parlamentar será preso?
A resposta foi taxativa: não! A explicação foi técnico-jurídica: um deputado ou senador, no exercício do mandato, só poderia ser preso em flagrante por crime inafiançável.
A previsão constitucional ressaltada por este (a) integrante do STF foi a mesma que outro ministro da Corte pediu que constasse de um texto publicado em julho pelo jornalista Ricardo Noblat.
Escreveu Ricardo Noblat no dia 31 de julho deste ano: “A Justiça terá coragem de mandar prender Eduardo Cunha?”.
O texto foi publicado às 3h.Às 13h20, porém, uma ligação do Supremo fez Noblat acrescentar uma atualização. Um ministro da 2ª Turma informou que a Constituição só permite a prisão de parlamentar depois do trânsito em julgado de ação penal ou se for flagrado cometendo crime inafiançável.
O ministro Teori Zavascki apresentou aos colegas da 2ª Turma o a narrativa da Procuradoria Geral da República, que embasou o pedido de prisão cautelar do senador Delcídio do Amaral.
A medida era excepcional, todos sabiam. A situação era igualmente extravagante, evidentemente. E, se havia resistência aos argumentos jurídicos em favor da prisão de senador no exercício do mandato, ela se desfaria no dia seguinte.
Diante daquelas informações, como os ministros decidiriam o que fazer? Uma sessão imediata, na noite de terça-feira? Neste caso, uma sessão secreta para que a operação do dia seguinte não fosse frustrada. Foi a proposta defendida por dois ministros. Ou agendariam a sessão para depois da operação da PF? Assim, poderiam fazer uma sessão aberta, pública, com ampla cobertura da imprensa?
Corta
Delcídio do Amaral havia mencionado nomes de ministros do Supremo. O líder do governo no Senado dizia para o filho de Nestor Cerveró, Bernardo, que já havia conversado com ministros do STF sobre a Lava Jato:
“Agora, agora, Edson e Bernardo, é eu acho que nós temos que centrar fogo no STF agora, eu conversei com o Teori, conversei com o Toffoli, pedi pro Toffoli conversar com o Gilmar, o Michel conversou com o Gilmar também, porque o Michel tá muito preocupado com o Zelada , e eu vou conversar com o Gilmar também.”
E depois:
DELCÍDIO: Diogo, nós precisamos, nós precisamos marcar isso logo com o Fachin, viu!
DIOGO: Hum rum!
DELCÍDIO: Fala com o Tarcisio lá.
DIOGO: Tá!
DELCÍDIO: Pra ver se eu faço uma visita pro Fachin.
EDSON: Esse todo mundo devia cair em cima e pedir por que resolve tudo
DELCÍDIO: Esse mata tudo… Quer dizer sobre o ponto de vista jurídico em função do HC só tá faltando o Gilmar.
A proposta de julgar o referendo à prisão de Delcídio do Amaral em sessão pública ganhou força porque serviria como posicionamento público dos integrantes da Corte. E os votos dos ministros comprovaram que esse fator foi levado em conta na decisão.
“O crime não vencerá a Justiça. Aviso aos navegantes dessas águas turvas de corrupção e das iniquidades: criminosos não passarão. A navalha da desfaçatez e da conclusão entre imunidade, impunidade e corrupção – com que fiquem cientes – não passarão. Não passarão sobre os juízes, e há juízes no Brasil. Não passarão sobre novas esperanças do povo brasileiro”, avisou a ministra Cármen Lúcia.
“Quem transgride tais mandamentos [da democracia] não importando posição, não importando se patrícios ou plebeus, se expõem as leis penais e por tais atos devem ser punidos nos termos da lei. (…) Nem cinismo, nem oportunismo, nem desejo de preservar vantagem de caráter pessoal podem justificar práticas alegadamente criminosas (…) Ninguém, nem mesmo o líder do governo do Senado da República, está acima das leis que regem este país. Imunidade parlamentar não é manto para proteger senadores da prática de crime”, enfatizou o ministro Celso de Mello.
O ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato, autorizou monocraticamente a prisão de Delcídio do Amaral, do seu chefe de gabinete Diogo Ferreira, do banqueiro André Esteves (BTG Pactual) e do advogado Edson Ribeiro, que representa o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, cuja fuga foi debatida pelo senador.
No dia seguinte, o ministro levaria a decisão inédita – e controversa – a referendo da Turma.
O resultado unânime indica mudança de opinião dos ministros que fizeram reservas à prisão do senador? Ou as circunstâncias exigiam uma decisão unânime do Supremo, uma resposta acima de tudo político-institucional? Talvez as duas coisas.