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Como as novas regras previdenciárias realmente afetam os servidores - parte I

Do Sindjuf/SE
Durante a reforma da Previdência, as pessoas ficaram muito focadas na mudança da idade mínima e no tempo de contribuição para atingir 100% da aposentadoria. Para Patrícia Peres, servidora do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) e consultora em finanças pessoais, o maior dos problemas trazidos pela Emenda Constitucional 103 (reforma da Previdência) não é esse, mas a desestruturação financeira que as novas regras impõem às famílias brasileira.
De olho somente em parte do que havia sido proposto, a maioria das pessoas, incluindo servidores, nem sabe ainda o que foi aprovado com essa reforma. Desde então, a servidora tomou para si a missão de difundir entre os colegas e entre todos os trabalhadores as alterações a que estão submetidos e como isso é danoso e até mesmo inconstitucional.
Estudando sobre o regime geral de Previdência, foi que Patrícia descobriu como os servidores púbicos estão atrasados na batalha. “Trabalhadores do regime geral já estão impetrando ações e conseguindo derrubar algumas dessas novas regras por motivo de inconstitucionalidade, ainda em primeira instância, mas já é um começo”, informa.
“Já no serviço público, as pessoas ainda não se alertaram para isso. Sequer sabem sobre os cálculos para pensão por morte, por exemplo. No caso de um servidor falecer, o cônjuge provavelmente não está informado sobre como proceder para ter um cálculo justo”, avisa.
No último dia 13, fez dois anos da implementação das novas regras previdenciárias, e Patrícia divulgou um artigo em que traz ponto a ponto as mudanças que, para ela, são escancaradamente inconstitucionais.
O Sindjuf/SE entrevistou a servidora e pediu que ela comentasse cada um desses pontos que ela aborda no artigo.
Dividimos em dois textos, e hoje publicamos a primeira parte:
Consideradas as normas constantes na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), qual a diferença entre ser mulher no Regime Próprio e numa Empresa Pública? Nas duas situações, prestam serviço para órgãos de governo, mediante aprovação em concurso público, passíveis de adquirirem a estabilidade. Questiona-se, ainda, qual a diferença entre ser mulher no serviço público e ser empresária, autônoma ou empregada que contribui para o INSS? Antes da EC 103, tanto a mulher do Regime Próprio da Previdência Social (RPPS), quanto a do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), tinham o direito à aposentadoria voluntária considerada a média aritmética dos 30 anos de contribuição. Após a reforma da Previdência, que implementou a nova regra geral de cálculo da média, a contribuinte do INSS teve garantido o direito de que 15 anos de contribuição representam 60% da média. A contribuinte do regime próprio teve a regra de cálculo igualada a dos homens, isto é, 20 anos de contribuição serão iguais a 60% da média. Portanto, a mulher que contribui para o INSS, inclusive as empregadas públicas, com 35 anos de contribuição conquistarão 100% da média, já as mulheres do RPPS precisam contribuir 40 anos, à semelhança dos homens, para alcançarem os mesmos 100% da média de contribuição.
“Isso significa que os 30 anos da mulher no regime próprio não valem mais a mesma coisa do que os 30 anos da mulher no regime geral. A vida inteira foi igual, mas houve essa mudança sem compensação alguma nem mesmo explicação. Assim, a mulher contribuinte do regime geral leva 90% da média, enquanto a do regime próprio, 80%. A mulher está sendo roubada, seja para a aposentadoria, para incapacidade (caso precise se aposentar por isso), seja para pensão em caso de morte ainda trabalhando”, comenta.
Impossibilidade de retrocesso social: refere-se à impossibilidade de redução do grau de concretização dos direitos sociais já implementados pelo Estado. O novo cálculo da pensão por morte fere totalmente esse direito quando a família do segurado falecido não poderá manter a estabilidade econômica diante dos valores pagos a título de pensão. Vejamos: um cálculo que antes era realizado sobre a última parcela de contribuição do segurado e garantia o valor do teto em até 100% e acima dele em 70%, agora será necessário atualizar, incialmente, 100% das contribuições, após proporcionalizar o tempo de contribuição e, finalmente, aplicar sobre o valor da média a cota família de 50% + 10% por pensionista. Quando lemos a lei, não temos a total dimensão da diminuição do poder financeiro que será imposta à família do falecido. Os cálculos atuais giram em torno de 35% da remuneração bruta do segurado quando este falece em atividade. Já há entendimento jurisprudencial, firmado por Turma recursal, no sentido de julgar inconstitucional o novo cálculo da pensão por morte para o segurado do INSS. E os segurados do RPPS o que têm feito? Em face desse retrocesso social, advém um questionamento: teremos que nos defender sozinhos? Nessa linha, registra-se, desde já, que os nossos cônjuges terão que envidar esforços judiciais para tentarem reverter o cálculo da pensão que lhes forem conferidos.
Patrícia explica: “As pessoas tinham um direito social implementado pelo Estado, e ele foi suprimido e não foi compensado. Ninguém planeja o orçamento familiar em cima do salário da morte do outro, mas do salário da ativa. Então, quando uma pessoa falta, a família, que vive dentro de um planejamento familiar e da legalidade, torna-se uma endividada do dia para a noite. Foi isso que o governo fez.
Um exemplo com um valor relativamente alto. Uma pessoa que recebe R$ 10 mil de salário, supondo que a média de 25 anos de contribuição fique em R$ 8 mil. A partir daí, será calculado o valor da pensão considerando uma aposentadoria por incapacidade, pois o contribuinte faleceu antes de se aposentar. Portanto, 8.000 multiplicados por 70%, vai dar 5.600. Este valor seria a aposentadoria por incapacidade.
Daí, considerando que o contribuinte deixou 2 pessoas, um cônjuge e um filho menor de 21 anos, essa família terá direito a 70% do valor da pensão, pois a cota família é de 50% mais 10% de cada dependente. Multiplicando novamente os 5.600 por 70%, temos 3.920, valor bruto! Ainda será pago imposto de renda sobre esse valor. Ou seja, uma família que contava com um orçamento de 10 mil precisará, de repente, ajustar seu orçamento para menos de 3.920. Isso enquanto o filho for menor de 21 anos. A partir dessa idade, suprime-se os 10% dele.
Hoje, já existem ações que consideram esse cálculo um retrocesso social, porque desestrutura as famílias. A despeito disso, as alíquotas previdenciárias do servidor, por exemplo, aumentaram.”
Breve currículo
Patrícia Peres é técnica judiciária do TJDFT há 20 anos e, hoje, concilia o serviço público com a prestação de consultorias financeiras e o trabalho de palestrante. Paranaense, trabalhou como bancária antes do Judiciário e, logo ao chegar a Brasília, 23 anos atrás, chocou-lhe a cultura de endividamento dos servidores públicos e a falta de planejamento orçamentária.
No tribunal, passou a ajudar colegas com conselhos sobre planejamento financeiro, sua área profissional. A partir daí, foram surgindo clientes, e ela foi se capacitando em educação financeira, especializando-se em endividamento e planejamento de longo prazo.
Em 2012, quando surgiu a previdência complementar no âmbito do Judiciário, foi convidada pelo tribunal a palestrar e orientar os servidores sobre o tema no órgão. Inclusive, integrou por quatro anos o Conselho Fiscal da Funpresp-Jud, dois deles como presidente.
Formada em Administração e estudiosa do Direito, a servidora passou a estudar o regime geral da Previdência com o início das discussões de uma nova reforma em 2017. Quando a PEC veio de fato em 2019, começou a fazer o trabalho junto a entidades e profissionais que podem ajudar a difundir os verdadeiros absurdos cometidos com a nova lei. “Minha luta é a de despertar nas pessoas a curiosidade e a indignação para derrubarmos essas mudanças absurdas”, afirma.