Artigos
No Éden do STF, maçã vira morango com creme
por Josias de Souza
Na Segunda Turma, conhecida como Jardim do Éden do Supremo, não há mais nenhum pecado original. Ali, a originalidade está nos veredictos. Comerás o pão com o suor do teu rosto, condenou o Senhor, ao expulsar o primeiro casal do Paraíso. Mas Lula e Marisa, assim que puderam, começaram a usufruir das benesses que a Odebrecht custeou com o suor do rosto do contribuinte.
A Segunda Turma já havia decidido no ano passado que as menções de delatores da Odebrecht a Lula e sua mulher iriam para Sergio Moro. Súbito, três das cinco serpentes do Éden perderam o veneno e mudaram de ideia. Transferiram de Curitiba para São Paulo trechos da delação referentes ao sítio de Atibaia e ao Instituto Lula. É como se tivessem colocado no caminho de Lula, em vez de uma macieira, uma árvore de morango com creme. Por quê?
Antes de responder à pergunta, é preciso abrir um parêntese para recordar que há pelo menos 14 magistrados com poderes para interferir nos rumos da Lava Jato. Onze jogam a favor da sociedade. Três cultivam o hábito de facilitar a vida dos réus. A coisa começa na mesa de Sergio Moro. Dali, sobe para a escrivaninha do desembargador Gebran Neto, relator do petrolão no TRF-4. Chama-se Felix Fischer o relator no STJ. No Éden do Supremo, quem relata é o ministro Edson Fachin.
Os três relatores, por draconianos, são temidos pelos larápios. As decisões de Gebran costumam ser seguidas pelos colegas Leandro Paulsene Victor Laus, que dividem com ele a Oitava Turma do TRF-4. No STJ, o grosso das deliberações de Fischer são avalizadas pelos demais integrantes da Quinta Turma: MarceloNavarroRibeiro Dantas, Joel IlanPaciornik, Jorge Mussie Reynaldo Soares da Fonseca.
Nesse desenho linear, a Segunda Turma do Supremo tornou-se um ponto fora da curva. Ali, o relator Fachin é um ministro minoritário. Suas decisões às vezes são avalizadas pelo decano Celso de Mello. Mas Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes não costumam perder a oportunidade de aproveitar recursos, agravos, embargos e toda sorte de petições para desfazer o que o relator faz. Fecha parêntese.
Por quê transferir a delação da Odebrecht de Curitiba para São Paulo? Para socorrer a defesa de Lula e infernizar a força-tarefa da Lava Jato, eis a única resposta plausível. A encrenca já havia passado pelo Éden duas vezes. Numa, em abril de 2017, o relator Fachin decidiu que o material iria para as mãos de Moro. Noutra, em outubro de 2017, produziu-se uma rara unanimidade. Ao julgar um recurso da defesa de Lula, a decisão de Fachin foi endossada por todos os membros da Segunda Turma.
A defesa interpôs um embargo de declaração. Normalmente, esse tipo de recurso serve para elucidar eventuais dúvidas ou contradições. Não costuma modificar o que já foi decidido por unanimidade. Contudo, Toffoli, Lewandowski e Gilmar viraram do avesso os votos que haviam proferido há seis meses. Deram o dito por não declarado. E arrancaram das mãos de Moro os dados fornecidos pelos delatores da Odebrecht. Alegaram que não ficou demonstrado que a verba utilizada pela empreiteira no custeio dos confortos de Lula veio do assalto à Petrobras.
Por uma dessas coincidências que só a conveniência pode explicar, a suposta ausência de liame entre os mimos oferecidos a Lula e o roubo praticado na estatal é um dos pilares da defesa do presidiário mais ilustre de Curitiba. Os advogados de Lula sustentam que não há razões para manter os processos contra o seu cliente na 13ª Vara da capital paranaense. Celebraram o placar de 3 a 2 anotado no Éden como uma vitória que interrompe o “juízo de exceção” supostamente criado em Curitiba para perseguir Lula. Nessa versão, Moro não seria o juiz natural dos processos contra Lula. E suas decisões seriam passíveis de anulação.
Entre a primeira e a segunda decisão de Toffoli, Lewandowaki e Gilmar nada mudou exceto o agravamento da situação penal de personagens graúdos como Lula, Temer e Aécio. O primeiro foi preso, o segundo está na bica de arrostar uma terceira denúncia criminal e o terceiro acaba de ser convertido em réu pela Primeira Turma do Supremo, onde funciona a Câmara de Gás. Toffoli e Lewandowski possuem vínculos notórios com Lula e o petismo. Gilmar é conselheiro de Temer e amigo de Aécio. Mais claros do que os vínculos dos magistrados com os encrencados, só mesmo os indícios que ligam o saque à Petrobras aos agrados oferecidos a Lula.
O patriarca Emilio Odebrecht contou que Marisa Letícia pediu socorro para concluir a reforma no sítio de Atibaia, em tempo de fazer uma surpresa ao marido no encerramento do seu segundo mandato. O empreiteiro relatou em depoimento: “No final do ano, penúltimo dia de mandato do Lula, do último mandato, eu estive com ele lá no Palácio do Planalto. E aí eu disse: ‘Olhe, chefe, você vai ter uma surpresa. Nós vamos garantir o prazo que nós tínhamos dado naquele programa lá do sítio’. Ele não fez nenhum comentário, mas também não botou nenhuma surpresa, coisa que eu entendi não ser mais surpresa”.
O filho Marcelo Odebrecht explicou que os repasses a Lula eram feitos via Antonio Palocci, o “Italiano” da planilha de propinas da construtora. E esclareceu: “Nós estávamos tendo tantos problemas com o governo que, talvez, se nós não estivéssemos tendo resultado nos contratos com a Petrobras é muito provável que, apesar de não ter um vínculo direto, talvez a gente não estivesse dando esse montante de contribuição porque, de fato, era praticamente a única área que gerava resultado dentro do governo”. O próprio Palocci, inquirido pela defesa de Lula numa audiência em Curitiba, cuidou de elucidar como se davam as coisas. Soou didádito: “É assim: a empresa trabalha com a Petrobras, a Petrobras dá vantagens para a empresa, com essas vantagens a empresa cria uma conta para destinar aos políticos que a apoiaram, o presidente [Lula] mantém lá diretores que apoiam a empresa para dar a ela contratos, esses contratos geram dinheiro, ela faz seus gastos, compra seus presentes, remunera os seus diretores, paga seus funcionários e reserva um dinheiro, algumas criam operações estruturadas, outras criam caixa dois, outras criam doleiros e, com esse dinheiro, pagam propina aos políticos.”
As ações penais sobre o sítio de Atibaia e o Instituto Lula permanecem em Curitiba, pois as delações da Odebrecht não são os únicos indícios disponíveis. Há outros documentos e testemunhos. Devem render duas novas condenações a Lula, já sentenciado a 12 anos e 1 mês de cana no caso do tríplex do Guaruja, presenteado pela OAS. A diferença é que a defesa de Lula usará os votos de Toffoli, Lewandowski e Gilmar nos futuros recursos que serão ajuizados no TRF-4, no STJ e no próprio Supremo.
A julgar pelo histórico, é grande a chance de Lula amargar insucessos na segunda e na terceira instância. Por uma trapaça da sorte, o líder máximo do PT talvez enfrente um revés até mesmo no Jardim do Éden. A partir de setembro, Dias Toffoli assumirá a presidência do Supremo Tribunal Federal. E será substituído na Segunda Turma por Cármen Lúcia, atual mandachuva da Suprema Corte. Fachin deve passar, então, da condição de derrotado crônico para a de relator majoritário. Sempre que conseguir juntar ao seu voto os de Celso de Mello e de Cármen Lúcia, ele prevalecerá sobre Lewandowski e Gilmar por 3 a 2.
Hoje, a Justiça praticada na Segunda Turma não é apenas cega. Sua balança está desregulada e a espada sem fio. Dentro de cinco meses, porém, o Éden pode se transformar num novo inferno para os réus.
Fonte: Blog do Josias de Souza